sexta-feira, 28 de maio de 2010

Entrevistando um tuareg

Não sei minha idade.

Nasci no Deserto do Saara, sem documentos. -Nasci em um acampamento dos nômades tuaregs entre Timbuctu e Gao, ao norte de Mali.

Fui pastor de camelos, cabras, cordeiros e vacas de meu pai.

Hoje estudo gestão na Universidade de Montpellier.

Estou solteiro.

Defendo aos pastores tuaregs.

Sou muçulmano, sem fanatismo.

 

 

Quem são os tuaregs?

- Tuareg significa “abandonados”, porque somos um velho povo nômade do deserto, solitários e orgulhosos: “Senhores do Deserto, é como nos chamam. Nossa etnia é a amasigh (bereber), e o nosso alfabeto, o tifinagh.

- Quantos são?

- Uns três milhões, e a maioria permanece nômade. Mas a população diminue. “É preciso que um povo desapareça, para que saibamos que ele existiu!” Apregoava um sábio. Eu luto para preservar esse povo.

- A que se dedicam?

- Pastoremos rebanhos de camelos, cabras, cordeiros, vacas e asnos num reino de imensidão e de silêncio

- O deserto é realmente tão silencioso?

- Quando se está sozinho naquele silêncio, ouve-se o batimento do próprio coração. Não há lugar melhor para se estar sozinho.

- Quais recordações de sua infância vc conserva com maior nitidez?

- Desperto com a luz do sol e ali estão as cabras de meu pai. Elas nos dão leite e carne, nós a levamos onde há água e pasto… Assim fizeram meu bisavô, meu avô e meu pai… e eu. Não havia outra coisa no mundo além disso. E eu era muito feliz com isso.

De fato! Não parece muito estimulante…

- Mas é muito! Aos sete anos já te deixam afastar-se do acampamento para que aprendas coisas importantes: farejar o ar, escutar, apurar a vista, orientar-se pelo sol e as estrelas… E a deixar-se levar pelo camelo, se você se perder. Ele te levará onde há água.

-Saber isso é valioso, sem dúvida…

-Ali tudo é simples e profundo. Existem muito poucas coisas. E cada uma tem um enorme valor!

- Então esse mundo e aquele são muito diferentes, não?

- Ali cada pequena coisa te proporciona felicidade.

Cada toque é valorizado. Sentimos uma enorme alegria pelo simples fato de nos tocarmos e estarmos juntos. Ali ninguém sonha com chegar a ser, porque cada um já o é!

- Que turbante tão formoso!

- É uma fina tela de algodão: permite tapar o rosto no deserto, e continuar a ver e respirar através dele.

- É de um azul belíssimo…

- Nós, os tuaregs, somos chamados de homens azuis por isso: o tecido solta alguma tinta e nossa pele adquire tons azulados

- Como conseguem esse tom de azul anil?

- Com uma planta chamada índigo, mesclada com outros pigmento naturais. Para os tuaregs o azul é a côr do mundo.

- Por que?

- É a côr dominante: é a côr do céu, do teto de nossa casa.

- O que mais o chocou em sua primeira viagem à Europa?

- Ver as pessoas correndo pelo aeroporto. No deserto só se corre quando vem uma tempestade de areia. Me assustei. É claro!

- Eles apenas iam buscar suas malas…

- Sim! Era isso.

Também vi cartazes de mulheres nuas. Me perguntei: porque essa falta de respeito para com a mulher?

Depois, no Íbis Hotel, vi a primeira torneira da minha vida, vi a água correndo e senti vontade de chorar…

- Que abundância! Que desperdício! Não?

- Todos os dias da minha vida consistiam-se em procurar água. Quando vejo as fontes ornamentais aquí e acolá, continuo sentindo por dentro uma dor tão intensa…

-Tanto assim?

- Sim! No começo dos anos 90 houve uma grande seca. Morreram os animais e nós adoecemos. Eu tinha uns 12 anos e minha mãe morreu. Ela era tudo para mim! Me contava histórias e ensinou-me a contá-las muito bem. Ela me ensinou a ser eu mesmo.

- O que sucedeu com sua família?

- Convenci meu pai que me deixasse ir à escola. Quase todo dia  caminhava 15km. Até que um dia o professor me arranjou um lugar para  dormir e uma senhora me dava o que comer, quando eu passava em frente  à sua casa. Entendi que essa ajuda vinha de minha mãe.

- De onde surgiu esse desejo de estudar?

- Uns dois anos antes, havia passado pelo nosso acampamento o  rally Paris-Dakar, e uma jornalista deixou cair um livro de sua Mochila.  Eu o apanhei e lhe entreguei. Ela me deu o mesmo de presente. Era um exemplar do Pequeno Príncipe e eu me prometi que um dia conseguiria lê-lo.

- E conseguiu.

-Sim! Foi assim que consegui uma bolsa de estudos na França.

- Um Tuareg na universidade!

- Ah, o que mais sinto falta aqui é o leite de camela... E o calor da fogueira, e de andar com os pés descalços na areia quente. Lá nós olhamos as estrelas todas as noites e cada estrela é diferente das outras como cada cabra é diferente.Aqui, à noite, você olha para TV.

- Sim! E o que você acha pior aqui?

- Vocês têm tudo, mas não acham suficiente. Vocês se queixam. Na França passam a vida reclamando! Aprisionam-se pelo resto da vida à uma dívida bancária, num desejo de possuir tudo rapidamente ...

No deserto não há congestionamentos e você sabe por quê? Porque lá ninguém quer ultrapassar ninguém!

- Conte-me um momento de extrema felicidade no seu deserto distante.

- Todo dia, duas horas antes do pôr do sol: a temperatura abaixa, mas ainda não chegou o frio, e os homens e os animais, lentamente voltam para o acampamento e seus perfis são recortados em um céu cor de rosa, azul, vermelho, amarelo, verde...

- Fascinante, na verdade...

- É um momento mágico ... 

Entramos todos na cabana e colocamos o chá para ferver.

Sentamo-nos em silêncio, a ouvir a ebulição ...

A calma invade todos nós, e o nosso coração bate ao ritmo

Do barulho da fervura...

-Que paz!

-Aquí vocês tem relógio…

… lá temos tempo.

-

Uma bonita entrevista com um tuareg realizada por:

VÍCTOR-M. AMELA

a: MOUSSA AG ASSARID

7 comentários:

Eduardo Montanari disse...

Adorei porque é uma entrevista diferente, com um tipo de pessoa muito difrente do que estamos acostumados a ver. Achei até bem poético.

Vida*** disse...

Boa Noite,Gostei muito de viajar em um lugar de muita Paz com um povo que até então eu desconhecia!! A sua cor predileta é uma das cores que mais me fascina(azul)!! Viva a Paz do deserto ,Tuareg... !!Obrigada!!

Anônimo disse...

Com uma entrevista destas, dexamos que nossa alma vagueie como se fosse carregada por borboletas.
Quanto eu daria, para passar uns tempos bem longos neste deserto.
Bendita a alma que é feliz em tão puro hambiente.
Bjs.

James Pizarro disse...

Triinteressante a entrevista.
E megasensível a dona do blog.
Parabéns.

Beijo

James Pizarro

M. Céu Fernandes disse...

Olá Angel.
Uma entrevista super interessante!
Obrigada pela visita e pela simpatia.
Estando em Portugal é só me dar a morada e posso enviar para qualquer local.
Bjs e boa semana!
M. Céu

Lhu Weiss disse...

Olá Angel! obrigada pelas belas palavras sobre meu blog.Adorei o seu e o que me chamou a atenção, foi sobre os tuaregs, porque estou escrevendo uma história que alguns deles são personagens de muita importância!em breve estará no meu blog.passe por lá e seja uma seguidora!
Abraços,
Lhú Weiss

Phivos Nicolaides disse...

Oi amiga. Lind. Bjs. Felipe