Estava eu no aeroporto de Linate esperando meu voo para Dublin. O voo marcado para as 23h estava atrasado pelo menos duas horas e minha ex-aluna, hoje grande amiga, estaria me esperando no aeroporto de Dublin.
Eu, sem celular, porque o meu nem levei, sabia que não funcionaria por lá.
Procurei uma cabine e tentei ligar, porém minha “scheda” cartão era só para ligações dentro da Itália.
Que fazer??
Pensativa sentei-me em um banco quando, num desses instantes que só os anjos podem explicar, sentou-se ao meu lado um rapaz de mais ou menos 21 anos. Era brasileiro.
Começamos a conversar e ele disse que me viu tentar usar os telefones e percebera que eu não conseguira falar. Ofereceu o celular dele.
Aceitei, porém o telefone da minha amiga não respondia. Agradeci. Ele me tranquilizou dizendo que ela certamente saberia do atraso do voo. Conversamos durante quase todo o tempo de espera, duas horas. Disse-me que há mais de um ano estava trabalhando em Milão. Trabalhava com moda, mas estava morrendo de saudade do Brasil e da comida da mãe. Pensei: devo parecer a mãe dele. E procurei ser ainda mais gentil. Perguntei como soubera que eu era brasileira e ele me disse que na fila havia reparado na cor do meu passaporte. Fiquei pasma, eu que sou tão detalhista, nunca tinha reparado nas cores dos passaportes. Depois, no avião não o vi mais.
Em compensação sentei-me ao lado de um casal de namorados. Não me perguntem o rosto deles porque não vi. O rapaz sentado ao lado da janelinha estava totalmente encoberto pela garota que sempre de costas para mim o co bria de beijos.
Mas não eram beijos… eram beijocas, daqueles que se dá quando se quer fazer graça. Beijos barulhentos que todos os passageiros podiam ouvir. O rapaz, meio sufocado, não conseguia terminar uma frase que ela tascava beijos estralados, ruidosos. No começo achei graça, mas depois de uma hora, aquilo começou a me irritar. Meu papel de “vela” me incomodava muitíssimo. Achei falta de respeito, mas mudar de lugar não dava. O avião estava cheio. Finalmente o avião chegou ao seu destino e o rapaz, todo melado começou a se preparar para sair, nem assim vi o rosto dos dois.
Desembarque. Eram já quase 3 da manhã. Eu preocupada porque não havia conseguido falar com minha amiga.
Minha cabeça rodopiava, pelo sono, preocupação e também raiva da vela que chegou a derreter durante a viagem.
Cansada, só com uma bagagem de mão, porém pesada, comecei a caminhar pelos “tentáculos” daquele aeroporto. Mamma mia, como são extensos! Não sei ao certo mas acho que tem uns dois kms de extensão até chegar finalmente às cabines.
Alí formou-se uma longa fila, todos de passaporte em punho, aberto na página para facilitar a passagem pela fiscalização.
Eu era quase uma das últimas.
Minha vez. O rapaz fez um gesto e indicou-me outra cabine. Alí era só para os que tinham passaporte europeu.
Resignada dirigi-me até à outra que estava completamente vazia.
Somente eu era “estrangeira” ali.
Entreguei o passaporte e a moça me perguntou o endereço de onde eu ficaria hospedada.
Aí, caiu a ficha. Eu havia deixado a agenda com o endereço na mala grande e pesada, que ficara no Hotel , na Itália. Embora entendesse, não sabia falar inglês para explicar o fato e naquele instante tudo veio a mente: “Brasileiros são sempre barrados nos aeroportos e enviados de volta ao Brasil”. O que faço, meu Deus?
Calmamente respondi: Scusimi, Signora, ma non capisco cosa parla. Parlo solo italiano. Riesce capirme lei?
Creio que ela não falava italiano e assim ficou alguns minutos a olhar meu passaporte brasileiro, porém com uma senhora que falava italiano e que havia chegado de um voo de Milão. Tornou a repetir a pergunta e eu tornei a responder tudo em italiano.
À nossa volta só o silêncio.
Todos os outros já haviam sumido. Creio que ela ficou mais embaraçada que eu, que àquela altura mantinha postura um pouco indignada, como a dizer: você está dificultando minha entrada?
Ela, sem saber o que fazer ou a quem recorrer colocou o carimbo e escreveu “visitante”.
Assim continuei a caminhar. Comecei a rir sozinha da loucura. Uma mulher, sozinha, sem falar inglês, sem celular, sem o endereço da amiga, chegar de madrugada numa cidade como Dublin e ainda passar pela imigração daquela maneira.
Me veio à mente aquela piada do cara que saltou de para-quedas e ele não abriu e, aí se lembrou que lá embaixo deveria encontrar uma bicicleta, e falou: só faltava a bicicleta não estar lá!
Dito e feito: cheguei ao portão de desembarque e cadê minha amiga?
Olhei por todos os cantos e nada. Tentei usar o telefone público, mas como? Sem cartão e sem entender as instruções.
Pensei: o voo demorou, eu demorei a sair porque tive de “explicar” o que estava fazendo ali. Talvez ela tenha desistido e ido embora.
Pegar táxi? Como? Sem endereço e sem o bendito inglês?
Decidi. Passaria meus dias ali no aeroporto, como no filme “O terminal”.
Já me preparava para ocupar uma das cadeiras quando sinto atrás de mim um cara alto, pelo menos 50 cm mais que eu, fazendo gestos.
Virei-me. Era um lindo rapaz de olhos azuis. Era um polonês que não falava uma palavra em português mas definitivamente havia me encontrado. Era o namorado de minha amiga que estava me procurando em outro portões. Quando viram que todos haviam saído, menos eu, decidiram verificar outros portões de desembarque antes de irem embora.
Graças a Deus e a eles minha estadia foi maravilhosa. Foram dias inesquecíveis.
E também uma aventura. Agora decidi: estou estudando inglês.
Recadinho
Recomendo o http://artculturalbrasil.blogspot.com/
Um blog cheio de cultura para aqueles que amam literatura.
Hoje fui presenteada por uma de suas autoras:
Maria Granzoto, que a partir de um comentário meu trouxe um dos maiores clássicos da literatura brasileira: “O tempo e o vento”
Para quem não leu todos os livros dessa maravilhosa obra de Érico Veríssimo é bom dar uma passadinha por lá e ler as resenhas. simplesmente maravilhoso.
Obrigada Maria, pela atenção e carinho!