capitulo 2
Os dias eram corridos. Levantava-se cedo e dormia-se tarde. Fazíamos muitas lições e passeios por várias regiões da Itália. Nos finais de semana levantava-se ainda mais cedo pois os passeios mais distantes ficavam para sábados e domingos.
Num destes finais de semana fomos à Florença, distante umas 4 horas de viagem, num ônibus nada confortável. Andamos o dia todo para dar conta de ver tudo e, como prevíamos, não vimos. Nem para comer nós paramos. Andávamos comendo um pedaço de pizza e dividindo uma garrafa de refrigerante.
Glória conseguiu encontrar todos os brasileiros que moravam em Florença ou melhor, todos os que trabalhavam na Feira que visitamos. Impossível não conversar com ela. Era a simpatia em pessoa.
Retornamos por volta da meia noite e no dia seguinte ainda tínhamos de levantar às 5 para ir à Veneza.
Sonâmbulas e com mais umas 5 horas previstas dentro daquele ônibus desconfortável. Mas, nada tirava nossa alegria e disposição.
Veneza estava agora à nossa frente. Linda e majestosa como sempre. E, acima de tudo, romântica. Quem resiste àquela atmosfera, àquelas gôndolas, aqueles canais. Tudo ali inspira.
Glória já estava inspirada. Era uma inspiração espanhola. Essa inspiração se chamava Joaquim. Um amor tipo platônico, como nos tempos de menina, cheio de encantamentos e cumplicidade.
Falavam-se com o olhar e eram inseparáveis. Inseparáveis mas, respeitosos ao limite. Joaquim era casado. Nenhum dos dois, à princípio, queria admitir a atração pelo outro.
Diante de uma loja de cristais, Glória entrou para comprar uma lembrancinha. Ele ficou na porta, a esperar.
Comprou três corujinhas minúsculas, que custaram 5 euros cada uma, mas era o que podia. Daria uma para a tia, ficaria com outra e, surpreendeu-o com a terceira.
Olhando para a corujinha e contou a ela que sempre que viajava costumava levar de recordação uma corujinha. Disse também que aquele fora o presente mais especial que havia recebido em toda sua vida!
Teve também o lance do banheiro. Diferentemente daqui, lá na Itália os banheiros são condivididos isto é, homens e mulheres usam o mesmo banheiro e assim, nós sempre ficávamos um pouco receosas de os utilizar. Era sempre um pouco constrangedor topar com um homem entrando ou saindo. Cavalheiro como era, Joaquim fazia-se de seu escudeiro. Sempre que ela queria utilizar a toalete lá ficava ele de plantão na porta.
Formavam, sem dúvida um belíssimo casal.
Veneza foi como um paraíso para os dois. Passeando pelos canais, conversando em espanhol e estreitando afinidades. Eram tantas… Ambos gostavam de arte, de coisas delicadas, do mesmo tipo de música. Música aliás que compartilhavam com um MP, um fone no ouvido de cada um. Pareciam irmãos siameses, tão colados ficaram o dia inteiro.
Foi um dia mágico onde se deram conta do que estavam sentindo um pelo outro. Impressionante que falaram sobre tudo, menos de amor.
O dia terminou. O sol se pondo no horizonte e todos à bordo do “tragheto”. Na amurada do navio Glória deixava a saudade escorrer pelo canto do olho. Chorava por aquele amor impossível, pelos abraços não dados, pelos beijos não roubados… Foi quando ele se aproximou novamente, corujinha na mão e colocou delicadamente o fone no seu ouvido.
A música não podia ser outra: Come c’ est triste Venise de Charles Aznavour.
Assim ficaram, em silêncio… Só a música e as recordações de um dia inesquecível.
Hoje, depois de um ano continuam a se falar. Ele na Espanha, ela no Brasil. Mas sabem, ficará para sempre gravada na lembrança dos dois aqueles dias, principalmente Veneza, com todo seu encanto e magia.
continua