Rafaé

 

   Toca o interfone.     Atendo.

Uma voz conhecida me diz: - É o Rafaé.

Com alegria vou atendê-lo.

É meu vizinho. Mora em frente à minha casa. Senhor de mais de 80 anos, curvado pelos anos e por problemas na coluna, tem um pouco de dificuldade para falar mas tem sempre  um sorriso  no rosto. Estira o braço e me  entrega uma sacolinha.

Sempre traz alguma coisa de suas hortas. Sim, é um homem que apesar da idade e dos problemas de saúde, já teve também algumas isquemias (coisa que  preocupa muito sua filha) ainda continua a trabalhar fazendo hortas. Não porque precise, mas por gostar mesmo da terra. Levanta-se muito cedo e vai cultivar hortaliças e frutas. Também planta “vassoura”, uma espécie de planta que, depois de colhida e seca, amarra e confecciona vassouras, daquelas de antigamente.

Assim é seu Rafael. Um homem ativo. Mas não planta para vender. Planta por prazer e depois distribui para os amigos. Eu tenho a sorte de ser uma das contempladas.

Na sacola sempre tem verduras como espinafre, alface ou fruta, principalmente banana. Confesso que quem come delas não se esquece do sabor doce de fruta amadurecida no pé, muito diferente daquelas compradas no mercado.

Ontem, trouxe-me figos. Figos verdes. Há muito não os via. No mercado só se encontra aqueles maduros e cobertos de pó branco (agrotóxico).

Quando abri a sacola lembrei-me do meu tempo de criança e do pomar enorme que havia no quintal da minha casa. O pé de figo ficava bem próximo à janela da cozinha e com suas folhas se fazia um licor perfumado e com os figos ainda verdes, um doce em calda maravilhoso. Quanta recordação em uma sacolinha de figos! Até o aroma estava ali.

Hoje vou fazer o doce. Há muito não o fazia. Aqueles de lata não chegam nem perto destes caseiros.

Coisas como estas estão ficando cada vez mais raras, até para uma cidade como  a minha que não é tão grande.

Tomara que ainda cultivemos em nós um pouco da gentileza dos nossos pais e avós, que quando faziam qualquer coisa diferente compartilhava com os amigos e vizinhos. Gestos simples que falam mais que mil palavras.

Seu Rafael é um dos últimos a fazer este tipo de gentileza.

À tardinha, banho tomado,  senta-se em sua cadeira na área de sua casa e fica ali a ler seu livro.

Ah, seu Rafael,  o senhor é mesmo muito especial!

(Foto_ Cozinha é poesia)