segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O livro da minha vida


Vidas secas
Devia ter mais ou menos dez ou onze anos.
Não tinha televisão ainda na minha casa.
Vivíamos somente eu e meu pai.
Nossas noites resumia-se a ouvir músicas através do rádio e jogar cartas ou ainda ouvir histórias de assombração, de Saci Pererê e mula sem-cabeça.
Na escola começava o ginasial, hoje quinta série.
Do mundo pouco sabia.
Criança, naquele tempo, não participava da conversa dos adultos.
Portanto, creio que comecei a conhecer o mundo através dos livros.
Os professores nos mandavam ler livros de Machado de Assis, de José de Alencar e tantos outros escritores.
Lí: A moreninha, O Tronco do Ipê, A pata da gazela e mais um sem número deles, mas o livro que marcou minha vida a ponto de até hoje lembrar-me dos nomes das personagens foi Vidas secas, de Graciliano Ramos.
Foi a descoberta de um novo mundo. O mundo real.
Um outro Brasil que eu não sonhava existir.
Pessoas que eram muito, mas muito mais pobres, de todos os pobres que eu conhecia. Eram pessoas que lutavam para sobreviver, que não tinham o que dar de comer aos filhos, pessoas que não tinham mais carnes no próprio corpo, pessoas que tinham pés rachados pelo braseiro do chão castigado pelo sol inclemente.
Esse livro retrata fielmente a realidade brasileira não só da época em que o livro foi escrito, mas como nos dias de hoje tais como injustiça social, miséria, fome, desigualdade, seca, o que nos remete a idéia de que o homem se animalizou sob condições sub-humanas de sobrevivência.
Os principais personagens são: Fabiano, Sinhá Vitória, o menino mais novo e o menino mais velho, que compõem a família de retirantes; a cachorra Baleia, que é praticamente da família também; Seu Tomás da bolandeira, que aparece apenas das lembranças dos retirantes; o soldado amarelo, o dono da fazenda em que os retirantes se estabelecem e o cobrador da prefeitura, estes representam instituições que oprimem Fabiano (a polícia, o latifundiário e o governo).
A animalização e a incomunicabilidade dos personagens dramatizam a questão da fome e da miséria com que sofrem os retirantes oprimidos pela seca, pelos latifundiários (representados pelo patrão de Fabiano) e pelas autoridades exploradoras (representadas pelo soldado amarelo).
A animalização fica evidente em diversas passagens de Vidas secas, como, por exemplo, no capítulo “Fabiano” em que o personagem-título afirma para si mesmo: “Você é um bicho, Fabiano”.
Sente-se o cansaço, a fome e a dor que sufoca até a fala dos retirantes na narrativa do livro:

"Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos."
"A caatinga estendia-se de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas"
"Resolvera de supetão aproveitá-lo (papagaio) como alimento..."
"Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram as suas desgraças e os seus pavores".


Eu lia e relia os capítulos e chovara com eles e por eles.
Quando tiveram de matar Baleia, a cadela que era quase um membro da família para servir de alimento a eles próprios, chorei copiosamente.
Sentia o calor que queimava os seus pés...
Recordava-me quando era menor e minha mãe precisava de alguma coisa da venda e mandava-me correndo buscar.
Eu ia, sempre descalça, e tinha de correr de árvore em árvore, sempre buscando uma sombra para esfriar as solas dos pés que queimavam feito brasa quando pisava na calçada quente.
Esta recordação sempre me vinha à mente quando lia a saga daqueles nordestinos que não tinham nem mesmo uma sombrinha de arbusto onde refrescar a cabeça.
Ainda hoje as imagens criadas em minha mente são muito vivas e também as sensações e emoções que vivenciei enquanto o lia.
Acho que este deveria ser um livro de leitura obrigatória à toda pessoa que pensa em ser político.
E só seriam aprovados aqueles que sentissem a emoção sair pelos olhos. Quem sabe assim poderíamos resolver alguns dos nossos muitos problemas de pobreza.


Personagens de Vidas secas: Fabiano, Sinhá Vitória, o menino mais novo, o menino mais velho, da esquerda para a direita


Vidas secas

18 comentários:

Nina disse...

Esse é mesmo um livro mt rico, mt bom!

Vc falou algo bem verdadeiro pra gente da nossa época, a gente aprendia as coisas da vida com os livros, nunca com os pais ou com a familia... nao lembro da minha mae conversar com a gente, sobre qualquer assunto mais serio, era só peia, mt peia...

gracas a Deus temos os livros :)

R.D.Network disse...

Hola Angel!
No cnocía ese libro, así que muchas gracias por el dato, por compartirlo.
Besos!

Alas.rotas disse...

Quiero darte públicamente las gracias, por leer lo que yo escribo, yo también te seguiré. Un abrazo.

LC disse...

Só aqui eu poderia achar esse livro, que marcou minha infância.
Eu lia não exatamente pela escola, mas por insentivo do papai e esse livro foi incrível pra mim.
Ai que saudade da Baleia.
Esse é um dos livros para reler.
bj

http://saia-justa-georgia.blogspot.com/ disse...

Angel, eu li este livro e na escola ainda fizemos uma pecinha sobre esta história. Ficou-me também inesquecível.

Olha, vou aproveitar e te convidar a fazer uma resenha num outro blog que tenho sobre livros:

http://www.elasestaolendo.blogspot.com/

Passe por lá para me confirmar.

beijao

Anônimo disse...

A visão que mais me impressionou neste livro foi o sacrifício de Baleia e o "céu dos cachorros, cheio de preás". Assisti ao filme também!! Ótima escolha!! Beijus

Rúbida Rosa disse...

Que coincidência Angel! A coluna do Froilam da próxima sexta vai falar de uma cadela que vive em nossa rua e que apelidei de "baleia" justamente por ser o contraponto da personificada no livro Vidas Secas (é obesa, pois todos lhe dão alimento). Provavelmente ele irá publicar o texto também no blog.
É interessante como os livros marcam nossas vidas, não é mesmo?
Abraços!

Vanessa Anacleto disse...

Este livro é impactante em qualquer idade não é mesmo, ainda mais aos 10, 11 anos. Belo post, belo livro.

Muito obrigada por participar da coletiva.

Abraço

*Renata Gianotto disse...

Oi Angel!

Cheguei até aqui através da Coletiva da Vanessa. Engraçado como os blogueiros são viciados em leitura! Confirmei a teoria de que a escrita e a leitura caminham sempre juntas.

Gostei muito do seu post. Vidas Secas traz mesmo a realidade nua e crua e imagino como foi marcante pra vc.

Voltarei mais vezes.

Abraço!

Dulce Miller disse...

Oi Angel!
Eu não li este livro, mas fiquei doida pra ler agora! \o/

Beijão querida!

Anônimo disse...

Olá Angel!
Muito bom esse livro!
Parabéns pelo blog!
Um abraço
Renata

Nilson Barcelli disse...

Não conheço o livro, mas a julgar pela tiua apreciação deve ser mesmo um bom livro.
Beijo.

Liliana G. disse...

Angel, tus relatos siempre son amenos de leer. Tienen ese sentimiento único de la persona que lo escribe.
Un gran beso.

Anônimo disse...

Este livro é realmente uma obra-prima! Impossível se esquecer da Baleia... Parabéns pela postagem!

Nanda Botelho disse...

Ótimo comentário, muito bem escrito,
só fiquei pensando que a pobreza do Brasil é apenas uma das muitas realidades da vida, não é a única nem a mais verdadeira, só porque é sofrida. Acho que precisamos lembrar que realidade boa e confortável também é realidade.
Quanto aos políticos concordo, acho que deveriam fazer um teste de personalidade, para saber se já estavam maduros o suficiente para pensar em alguém mais além de si mesmos.
Mas não devemos esquecer que quem vem votando nessas pessoas são os personagens de Vidas Secas, normalmente ingênuos e até preconceituosos.
Vc sabe que aqui no Ne político que diz a verdade e não promete o impossível, não se elege?
Bjs.

Cristiane Marino disse...

Oie!

Eu também já li esse livro, li na época de cursinho pré-vestibular, gostei muito.

Um grande beijo

Anônimo disse...

Realmente foram os livros que nos moldaram.
Eu lembro bem do Vidas Secas, ainda tenho guardado.
Vim agradecer sua visita e comentário feito no meu blog.

Nanda Botelho disse...

Obrigada pela visita. Fé, é disso que eu estou falando no blog, esse é o tema central, para reflexão, a capacidade de usarmos nosso pensamento a nosso favor! Obrigada pela parte que me toca sobre os nordestinos.Um xêro como se diz aqui.