Uma história de amor 3

                               O jantar

 

Os dias corriam ligeiros entre tantas atividades. E havia sempre as lições dadas pelos professores, que muitas vezes eram feitas de madrugada no retorno dos muitos passeios.

Mas, tudo era novidade, alegria e, principalmente encantamento.

Era primavera na Itália e por todos os cantos “i papaveri” – uma espécie de papoula - tingiam as colinas de vermelho. Vermelho, aliás era a cor da Glória. Vermelho paixão, vermelho alegria.

Com uma atmosfera destas e com tantas amizades não tardou em organizar um jantar. Vieram alguns convidados brasileiros, o espanhol,  e também Jocelyne, a canadense

Cada um trouxe um prato diferente e ela resolveu fazer um “RISOTTO ALLA CREMA D'ASPARAGI FRESCHI”. 

As pessoas se distribuiam pelo apartamento, ora na cozinha, ora na varanda, onde montamos a mesa e, entre taças de vinho e muita conversa e risos, uma cena se desenrolava. Para mim foi a coisa mais divertida da noite.

Glória e Cida criaram uma amizade tão grande que deixava as pessoas um pouco desnorteadas, principalmente pelo teatro que resolveram encenar. Encenavam de tal modo que para muitos parecia verdade.

Sempre que uma retornava de algum lugar, a outra pedia informações de onde estava, porque havia voltado tarde, com quem havia conversado… como se fossem um casal…

Podem imaginar a cena??? Era hilário…Às vezes, eu entrava como coadjuvante porque  depois de Glória, eu era a pessoa mais próxima de Cida. Tínhamos bastante afinidade e muitas vezes trocávamos confidências.

Bem, quando a Cida fazia de conta que sentia ciúmes de Glória, riscava o chão com uma faca, me jurando-a de morte se houvesse traição, depois, na frente dos outros, ela pegava uma faca e riscava a mesa, para que Glória soubesse que ela não estava gostando e, depois, ainda  dizia: "que diabo de marmota é essa, bem na minha frente? de arreganhos com outra mulher?"

Glória, se fazia de ciumenta de minha amizade com Cida  e “tomava satisfação”. Cida entrava na brincadeira e retrucava como se ela estivesse somente  dando o troco a Glória. Era só risada.  As pessoas dos apartamentos vizinhos certamente não entendiam porque nós ríamos tanto. E, creio que algumas que ouviram as conversas, chegaram até a pensar que realmente elas tinham alguma coisa em comum. Para nós era uma diversão tudo aquilo.

Logo Cida, que morria  de saudades de casa e, principalmente  do marido. Falavam-se todos os dias e nós ficávamos ao redor dizendo: Não chore… não chore… e, inevitavelmente, Cida chorava. Nós já esperávamos pela despedida característica:”Te amo meu dengo, um chero”. A saudade do amado era tanta que ela até voltou mais cedo para o Brasil.

Naquela noite do jantar, Glória estava na cozinha, preparando o risoto e Jocelyne sempre ao seu lado, aproveitando para falar em francês.  Jocélyne, a canadense que falava francês, pediu um abraço,  muito educadamente, bem à francesa, porque dizia sentir um carinho especial por Glória.  Eis que entra a Cida e, neste momento, ela pegou uma faca que estava sobre a mesa e, abruptamente, começou a riscar o chão e a dizer a frase "que diabo de marmota é essa, bem na minha frente? de arreganhos com outra mulher?"

Sem que Jocélyne entendesse coisa alguma, Glória numa saia justa danada, ficou com uma vontade louca de rir (já que era super risonha por natureza) mas teve de se conter já que seria super difícil explicar o significado daqueles gestos em francês e, além de tudo, a regionalidade das reações . . .

Foi realmente um momento ímpar! Jocélyne ,olhava para a Cida e depois para Glória e, ficou ali, parada, sem entender nada. 

Cida, nesse momento, começou a dizer "mas será que vou ter que explicar melhor para essa francesa que ela não pode se meter com mulé minha? Ela fica aí, de biquinho, falando macio, e, se eu não chego na hora, sei lá o que ia acontecer, já que ela até te beijou! E, o tom foi ficando mais agressivo, até que a Jocélyne, mesmo sem entender, foi saindo, até sem pedir licença!

Daí, sim, caíram na risada as duas . . . foi incrível!

Jocélyne, não entendia bem o italiano e nadica de nada de português. Imagine então uma gaúcha e uma nordestina se falando cada uma com seu sotaque e expressões típicas.

Como não conseguia entender aquela conversa louca das duas, Jocelyne começou a desconfiar que havia alguma coisa errada com ela própria. Mas, como explicar? Aquilo era tão nonsense que não cabia explicação. Pior é que nós tínhamos verdadeiros ataques de riso pois as duas protagonizavam a cena de tal modo que se estivessem num palco de teatro arrancariam palmas demoradas.

Assim era conviver com Glória e Cida. Acordar sorrindo e ir dormir com as bochechas doendo de tanto rir.

Sempre que Glória se arrumava para sair, ia até o espelho e  se olhava, passava batom, sorria  e jogava um beijo para si mesma. Definitivamente ela se amava. Todo aquele ritual me encantava.

Aprendi muito com ela. Também falávamos de coisas muito sérias e ela sempre me deu muita força. Posso dizer que também mudei bastante meu jeito de encarar a vida depois que a conheci.

O jantar foi na varanda, sob a luz do luar. De sobremesa sorvete.  Pode haver coisa mais gostosa? Amigos, comida boa, uma noite enluarada…

Melhor que isto?… só a história da mala, que contarei amanhã.